sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O croissant, o metrô e o imponderável

Era um momento especial e ele tinha certeza. Não é todo dia que se vai assistir uma semi-final olímpica de vôlei. Não é todo dia que se está na plenitude da juventude, cheio de energia, em idas e vindas pelo metrô da cidade mais cosmopolita do mundo.

Podia ser um momento bacana, mas ela não tinha mais tanta certeza. Não gostava muito de Londres, afinal. Muita mistura, muita gente. "Falta a essa cidade a autenticidade de Berlim", pensava.
Os amigos haviam cancelado de última hora. E nem era a semi-final do Brasil. Chegou a pensar se valia a pena o esforço de pegar mais de uma hora de trem da pequena cidade onde morava para encarar o metrô até o ginásio da partida.

Estava um pouco atrasado. Precisava chegar cedo ao local da partida, pelo menos uma hora antes do jogo começar, para assim tentar trocar o ingresso com algum interessado em ver o jogo dos Estados Unidos. O jogo do Brasil seria somente horas e horas depois. Decidiu que seu almoço seria um sanduíche com suco, a ser comido no próprio metrô, ou na caminhada da estação até o ginásio. Passou no supermercado e se dirigiu ao metrô. No meio do caminho, pensou que talvez ficaria com fome, já que jogos de vôlei poderiam ser longos, e, afinal, queria passar muitas horas naquele ginásio, já que tinha objetivo de assistir ao jogo do Brasil de qualquer forma. E, então, voltou ao supermercado, e, 5 minutos depois, saía com mais um croissant. "Preciso trocar meu ingresso".

Londres é possivelmente a cidade com o melhor sistema de metrô do mundo.
Trens passam a cada dois minutos.
Durante o período olímpico foram batidos vários recordes de usuários, chegando ao pico de quase 5 milhões de pessoas por dia. 5 milhões de pessoas. Infinitas nacionalidades. Mais de duzentas estações. Vagões indo e vindo a cada dois minutos. A cada estação, uma multidão entra. Uma multidão sai. Em cada trem, diversos vagões. Múltiplos vagões a cada dois minutos. Cada um deles com uma pequena amostra do mundo.

Ela tinha certeza que aquela cidade a estressava. E as olimpíadas tinham tornado as coisas piores. Sentia que estava um pouco atrasada. E ainda tinha dois problemas a resolver. Precisava vender um ingresso. E precisava tentar trocar o outro, o do jogo dos Estados Unidos, pelo jogo do Brasil. Mais que isso, não sabia direito em que estação saltar. Tinha ouvido falar que poderia ganhar tempo saltando numa estação um pouco a frente. Mas não sabia exatamente qual. Não sabia exatamente o caminho. Aquela cidade a estressava. E então, seu telefone toca.

Comia calmamente seu croissant no metrô. Em pé, obviamente. Conseguir um lugar para sentar era praticamente um milagre com tanta gente se dirigindo para os jogos. Não se importava de ficar em pé. Na verdade, naquele momento, não se importava com muita coisa. Estava nos Jogos Olímpicos e sua maior preocupação era conseguir trocar seu ingresso para assistir o Brasil. Momento mágico, pensou. E vai dar tudo certo. Em meio aos diversos idiomas falados naquele vagão, apenas um vagão entre os praticamente infinitos que circulavam, notou um familiar. A voz soava com urgência e preocupação. "Estou meio perdida e não sei em que estação saltar". Ora, uma brasileira perdida. Em meio a uma mordida no croissant, quis ajudá-la. Conhecia o caminho.

O resto, é história. Perceberam que tinham objetivos comuns: queriam trocar os ingressos e ver o jogo do Brasil. Cada um quis fazer ao seu jeito. Separaram-se. Ambos não tiveram sucesso na troca. Cada um assistiu, um em cada canto do ginásio, os Estados Unidos vencerem a Córeia do Sul sem muita dificuldade. E, de repente, perceberam-se envolvidos pelo simples fato de um estar torcendo pelo outro. Precisavam conseguir assistir o Brasil, e não bastava mais resolverem suas situações individuais. Precisavam assistir juntos. Trocaram mensagens de celulares. Marcaram um ponto de encontro. Pensaram juntos em planos. Ela, entre uma cerveja e outra. Ele, entre um gole e outro de água. E um sentimento interessante de saber que, de um jeito ou de outro, daria certo.
Não sabiam bem explicar. Talvez sozinhos não fossem conseguir. Mas agora estavam juntos. O problema de um era o problema de outro. E de repente pareceu tão óbvio. Pareceu tão fácil. É claro que entrariam.

E entraram - o "como" é história para outro conto.

E assistiram juntos.

E comemoraram a vitória do Brasil.

Ele havia se tornando o 'bonitinho'. E ela havia se tornado alguma coisa também. Ele apenas não era tão bom com adjetivos.

Encontraram-se dias depois. Não mais em Londres, mas naquela pequena cidade distante mais de uma hora de trem.

Foi rápido.

Horas depois, ele voltava ao Brasil.

Era tempo de partir.

No caminho para o aeroporto, pensou no croissant. Não tivesse voltado para comprá-lo, jamais se encontrariam. Suas lembranças seriam diferentes. Pensou na exatidão do impoderável.

Entrar na mesma estação. No mesmo vagão. Naquele instante. Não dois minutos a mais, nem a menos.
Em meio a cinco milhões de pessoas.

Abriu os olhos. Faltava uma estação para o aeroporto. Abriu um largo sorriso, e se preparou para deixar o metrô de Londres.

Um comentário:

  1. Eu nem sei o que dizer. Se eu tivesse como não escrever nada, se tivesse como colocar aqui minha expressão.. bom, saberias o que eu achei.

    ela se resume a isso: sorriso.

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