Prazer, meu nome é acido lático

Mas pode chamar de lactato. Eis a forma ionizada do ácido lático que aparece no sangue.

O ácido lático é o grande "vilão" a ser derrotado nos treinamentos. Isso porque durante os exercícios físicos, os músculos produzem o ácido lático, que é eliminado pelo corpo na forma de lactato continuamente. O problema é que em altas intensidades nossos músculos começam a acumular mais lactato do que nosso corpo consegue eliminar. O lactato é um sal eliminado continuamente, mas em intensidades muito altas é produzido freneticamente. 

O corpo fica descontrolado e esse acúmulo vai causando a fadiga muscular. O lactato se espalha rapidamente pelo corpo como veneno. As pernas vão ficando muito pesadas e é muito difícil manter a concentração em qualquer coisa.

Uma das grandes diferenças de um corredor de 400m e um maratonista diz respeito às diferentes capacidades que esses corredores possuem em relação ao acúmulo de lactato. Um corredor de 400m consegue acumular uma descarga muito alta de lactato no sangue. Como a intensidade da corrida é muito alta, um bom desempenho requer um corpo preparado para aguentar a fadiga em altas doses.

Um maratonista, por outro lado, jamais correrá uma parte da maratona de maneira intensa como uma corrida de 400m. Portanto, não precisará ser capaz de acumular uma descarga tão alta de lactato no sangue. Como o acúmulo de lactato é crescente, um maratonista precisa estar preparado para conseguir acumular esse lactato muito aos poucos. Seu limite não é tão alto quanto o do corredor de 400m - mas ele precisa atingir esse limite de maneira infinitamente mais lenta.

Já experimentei de ambas as sensações. Ambas doem bastante. A maratona dói por muito tempo e requer muito preparo psicológico. Mas um tiro de curta duração com alta carga de lactato traz uma sensação de enrijecimento muscular e de desespero interno que mete um pouco de medo.

O treino de hoje foi muito, muito díficil. Posso dizer que há tempos não fazia um que me deixava tão mal pelo resto do dia, e dia esse que ainda peguei estrada no trabalho para encarar duas reuniões em duas cidades diferentes e longe de Floripa - sem contar o caos da fila na volta.

Além disso está começando a ficar complicado de treinar ao meio-dia. Além dos fortes ventos dessa época do ano, começa a ficar bastante calor nesse horário. Mas como é o horário que sobra, segue o jogo. Com cerca de 25 dias para os Jogos Abertos, estou no período de treinamento mais intenso e doloroso.

Para começar a brincadeira de hoje, após os aquecimentos, coordenações e alongamentos, um tiro de 1.000m a 99%, como meu treinador costuma dizer. É díficil quantificar um 99%. Tenho que terminar o tiro extremamente desconfortável e travado, mas não posso ir para o 100% e chegar no meu limite caindo no chão, pois essa é só a primeira parte do treino.

O objetivo desse tiro de 1.000m é fazer eu sofrer pelo resto do treino, ou seja, garantir que meu corpo comece o treino "de verdade" já com altas doses de lactato nos músculos.

Faço o tal tiro para 2'43"8 - cerca de 23 km/h de média e uma passagem bem forte de 1.02 nos primeiros 400m (1.35 nos 600m e 2.09 nos 800m). Acredito que se fosse forçar 100% no limite faria abaixo de 2'40".

Após chegar já bastante debilitado e com o lactato nas alturas, começa a série principal. 5 tiros de 1.000m com 2m30s de intervalo entre eles.

E caramba - como é difícil. A perna fica muito pesada, apesar do ritmo não ser tão intenso, e é muito difícil de se concentrar. Ao final do segundo tiro, em cerca de 3m20s, percebi que não daria mais. 

Estava bem próximo do meu limite.

Então meu treinador pede que eu faça o terceiro tiro como "descanso", em 3'35". Mas mesmo esse descanso para 3'35" é bastante doloroso, e aí estou falando de um ritmo que hoje consigo correr constantemente por cerca de 20 quilômetros. 

Ou seja, corro nesse ritmo por 20 quilômetros, e agora estava me arrastando para terminar apenas o terceiro tiro de um 1 quilômetro e com descanso entre eles - que diferença faz aquela descarga absurda de lactato no primeiro tiro.

Após o terceiro tiro e bastante debilitado, saio para o quarto com a certeza que seria o último.

Não aguento mais esse lactato espalhando pelo meu corpo.

Termino o quarto no limite, novamente em 3'20".

Aviso o treinador que não dá mais, e vendo meu estado, ele aceita que eu não faça o quinto como o previsto.

Mas algo dentro de mim pedia que eu terminasse.

Nessas horas penso muito em uma frase atribuída à Gandhi.

"A força não provém da capacidade física e sim de uma

 vontade indomável".

E, sem saber se iria conseguir ir até o fim, resolvi tentar. E concluí o quinto com muitas dores em 3'25". Venci mais uma vez.

O que acho incrível da fisiologia é que hoje me arrastei para fazer 5 tiros de 1,000m, sendo um para 3'35"e outro para 3'25", e com 2'30" de intervalo entre eles, enquanto num treino normal de 5 tiros de 1,000m com esse intervalo consigo fazer para cerca de 3'08" (os cinco). A diferença é realmente aquele "aquecimento" em intensidade quase máxima que gera uma descarga de lactato muito grande e que até o final do treino seu corpo não conseguirá eliminar.

Em casa, mal consigo subir as escadas.

Mas difícil mesmo é tomar um banho, olhar a minha cama, abrir um sorriso... e pegar estrada para trabalhar.

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Por algum motivo não estou conseguindo colocar o vídeo do youtube diretamente aqui, mas quem quiser me ver acumulando lactato correndo um tiro de 1.000m em 2m43s pode entrar no link abaixo. A filmagem foi realizada pelo meu treinador e está um pouco ruim nos primeiros 15s, mas depois é possível acompanhar.

http://www.youtube.com/watch?v=-wjf0w59Pa0&feature=g-upl