segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Steve Prefontaine - O maior de todos

Em junho de 2012, o atleta americano Galen Rupp, que viria a ser medalhista de prata nos 10,000m dos Jogos Olímpicos de Londres, quebrou o recorde de 40 anos das seletivas olímpicas americanas, que desde 1972 era de Steve Prefontaine. O recorde foi quebrado na mesma universidade que há 40 anos Pre, como era conhecido, mudou a história do atletismo.

A 'comemoração' do recorde e da vaga olimpica foi um tanto inusitada. Houve um minuto de silêncio no pódio em respeito ao recorde quebrado.

Steve Prefontaine foi o maior atleta deste esporte em todos os tempos, mesmo não tendo sido necessariamente o melhor. 

O que, um americano? Talvez você esteja se perguntando. Onde estão os quenianos, etíopes e marroquinos? E Usain Bolt, a lenda jamaicana? Ou mesmo que seja um americano, que fosse Jesse Owens, o homem que calou Hitler e suas ideias arianas nos Jogos de Berlim em 1936.

Sei que os americanos são mestres do marketing e que tendemos a super valorizar seus atletas e suas conquistas. Mas não com Prefontaine. Na minha opinião um dos mais legítimos merecedores das honras no esporte. 

Prefontaine foi o mais inspirador e importante atleta de atletismo de todos os tempos. E essa postagem é uma homenagem para tentar explicar o porquê.


Motivo número 1 - Era extremamente talentoso.

Esse é o primeiro motivo (embora eles não estejam necessariamente em ordem) porque considero que nenhum atleta pode ser considerado o melhor sem uma dose de talento fora do normal, daquelas de fazer encher os olhos ao se estar diante de algo especial.

Quando competiu no primeiro e único Jogos Olímpicos de sua vida, Pre tinha apenas 21 anos. Terminou em quarto, em história que contarei mais adiante.

Teve uma carreira muito curta. E mesmo assim fez marcas impressionantes. A registro de comparação, nos 5,000m, por exemplo, ele lideraria com folga o ranking brasileiro nos dias de hoje. E somente um brasileiro na história possui marca melhor que os seus 13m22s'80" obtidos em 1974.
Nos Estados Unidos, foi o primeiro e único atleta até hoje a ter o recorde nacional de todas as distâncias entre 2,000m e 10,000m. E ao longo da carreira venceu simplesmente 120 das 153 corridas que disputou.



Motivo número 2 - Inspirou gerações pelo carisma.

Prefontaine era tido como arrogante, ranzinza, questionador de tudo e de todos, e inclusive dos métodos de treinamento do seu próprio treinador.

Mas corria por um motivo e com uma paixão nunca antes vista. Treinava muito duro e tinha como filosofia sempre dar o seu máximo em todas as competições.

Uma de suas frases mais conhecidas diz que ninguém nunca o venceria numa corrida de 5,000m correndo confortavelmente os primeiros quatro quilômetros. Um espírito de competitividade que vai contra as chamadas corridas táticas, onde os atletas correm confortavelmente até o momento de ataque, já na última ou penúltima volta.

Pre corria no limite desde o início. E é claro que pagava um preço por isso. O vídeo abaixo é sobre a final olímpica dos 5,000m em 1972. Seu treinador, Bill Bowerman, havia dito para Prefontaine correr no meio do pelotão, arrancando para a vitória nas últimas voltas. Mas não foi bem o que ele fez. Imprimindo um ritmo forte desde o começo da prova, puxando o pelotão, arrisco dizer que poucas vezes um atleta quis tanto uma medalha de ouro. Quem tiver interesse em ver o que acontece na última volta, adiante o vídeo para 3.00 minutos. Pra mim a representação máxima de uma corrida com o coração. Não pense em nada. Dê apenas o seu máximo, mesmo que ele seja muito pouco.

Não vou estragar a surpresa. Mas tentem sentir uma fração do que ele sentiu naqueles segundos finais que antecedem a chegada.




Motivo número 3 - Criou um novo motivo para correr

Bill Bowerman era um treinador extremamente durão e focado na vitória. Treinou vários medalhistas olímpicos. Co-fundador da Nike, sua relação com Prefontaine rendeu dois filmes.

Acho muito emocionante o discurso de Bowerman no enterro de seu atleta, onde, muito emocionado, tenta definir quem foi Prefontaine.

* Resolvi traduzir o discurso:

Bill Bowerman: 


Por toda minha vida, criança e adulto, eu acreditei na acepção que o principal motivo para correr é vencer uma corrida. Naturalmente, quando virei treinador, tentei ensinar as pessoas como fazer isso. Tentei ensinar Pre como fazer isso. Tentei pra valer. E Pre me ensinou. Ensinou que eu estava errado. Pre era um inconformado com a ideia de que se podia vencer uma corrida com um esforço medíocre, e que um esforço sobre-humano poderia não significar uma vitória. Vencer uma corrida não necessariamente significaria dar o seu máximo da largada à chegada. E ele nunca correu de outra forma. Eu tentei fazê-lo correr de outra forma, Deus, como tentei. Mas Pre não me escutava. Ele insista em acreditar que dar o seu melhor encontra-se num nível mais alto que a vitória. "Uma corrida é uma obra de arte", costumava dizer, e era nisso que acreditava e que fazia em cada uma de suas passadas. É claro que ele queria vencer. Aqueles que o viram competir e aqueles que competiram contra ele nunca tiveram dúvidas do quanto ele queria vencer. Mas como ele vencia importava mais. Pre me ensinou de um jeito difícil. Mas ele finalmente me convenceu. Convenceu-me que o real sentido em correr não é vencer uma corrida. É testar os limites do coração humano. Foi isso que ele fez. Ninguém fez mais vezes. E ninguém fez melhor.



Motivo número 4 - Foi um dos maiores responsáveis pelo profissionalismo

Prefontaine era um péssimo perdedor. E quando perdeu a sonhada medalha de ouro olímpica para o finlandês Lasse Viren, que oficialmente era do exército finlandês, mas na prática tinha uma vida de profissional, escancarou sua insatisfação com a proibição de atletas profissionais, o maior tabu que existiu na história do esporte. Nos Estados Unidos o esporte era essencialmente universitário. Profissionais eram proibidos de participarem dos Jogos Olímpicos. Patrocínios milionários como hoje em dia, nem pensar.

Mas PRE se considerava - e era - um artista. E artistas são pagos por suas obras. Ao liderar o movimento público em favor do profissionalismo, Prefontaine mudaria para sempre a história dom esporte.


Motivo número 5 - Criou um novo mercado

Cerca de 30 milhões de americanos correm regularmente toda semana. O chamado "jogging" era algo que não existia antes dos anos 70, quando aconteceu o boom dos corredores, sobretudo pela identificação e inspiração do grande ídolo. É fácil encontrar paralelos, como o tênis no Brasil com  o nosso Guga. Mas como tudo que acontece (para o bem e para o mal) nos Estados Unidos toma proporções maiores, não é díficil imaginar que o número de corredores cresceu no mundo todo em consequência à febre nos Estados Unidos. No Brasil demorou um pouco pra pegar. Mas pegou. E tudo isso começou lá nos anos 70 com Pre.


Motivo número 6 - Criou a capital da corrida

A capital da corrida se chama Eugene, e fica no estado de Oregon, nos Estados Unidos. É de lá que surgem os melhores atletas do país, inclusive o medalhista de prata em Londres, Galen Rupp. É para lá que foi treinar um dos maiores heróis olímpicos do Brasil, o medalhista de ouro em 1984 e prata em 1988 nos 800m, Joaquim Cruz. É para lá que grandes atletas do Quênia e da Etiópia vão treinar.
Estar em Oregon, para os corredores, é como estar em frente à Basílica de São Pedro para os católicos, em Meca para os muçulmanos. E essa mística toda também começou com Prefontaine.


Motivo número 7 - Você conhece uma tal de Nike?



A Nike é a maior fabricante esportiva do mundo. Fabrica tanta coisa pra tanto esporte que é fácil esquecer as origens da empresa, pelo menos no Brasil. A foto acima tive o privilégio de tirar numa das lojas da empresa em São Francisco. O quadro de Prefontaine se repete em diversas lojas da empresa pelo país. Isso porque a Nike começou com Bill Bowerman, treinador de Oregon, que era um obcecado por produzir melhores sapatilhas de corrida para seus atletas. Um belo dia, ele resolveu fazer uma mistura de cola e borracha e colocar na máquina de fazer waffle... e criou a primeira sola do primeiro Nike. Foi Pre quem usou o primeiro par de tênis da empresa, que certamente agradece até hoje por isso. A associação da marca ao ídolo crescente foi fundamental pra os primeiros anos da companhia que hoje é uma das maiores do mundo.


Motivo número 8 - As frases

Poucos corredores foram tão inspirados naquilo que falaram e talvez nenhum tenha conseguido se definir tão bem.

Algumas delas:

"A lot of people run a race to see who is fastest. I run to see who has the most guts"
- Muitas pessoas correm para ver quem é o mais rápido. Eu corro para ver quem tem mais coragem.

"To give anything less than your best is to sacrifice the gift".

- Dar menos que o seu melhor é sacrificar o seu dom.

"The only good race pace is suicide pace. And today looks like a good day to die".
- O único bom ritmo de corrida é o ritmo suicida. E hoje parece um bom dia para morrer.

"Somebody may beat me... but they are going to have to bleed to do it".

"Some people create with words, or with music, or with a brush and paints. I like to make something beautiful when I run. I like to make people stop and say, "I've never seen anyone run like that before." It's more then just a race, it's a style. It's doing something better then anyone else. It's being creative."

"Having a true faith is the most difficult thing in the world. Many will try to take it from you."

“Life’s battles don't always go to the strongest or fastest man, but sooner or later the man who wins is the fellow who thinks he can.”


Motivo número 9 - O cinema

Você sabe quando alguém se torna especial quando possui não apenas um, mas dois filmes dedicados a sua curta carreira. E ambos muito bons. "Prefontaine", de 1997, e "Withouth Limits", de 1998. Um deles conta com a reprodução do discurso final de Bill Bowerman em seu enterro (o mesmo que escrevi aqui). 


Motivo número 10 - Morreu jovem

Faz parte da criação de um mito. Não é condição necessária, mas torna a lenda ainda maior. Que diremos nós do nosso Ayrton Senna.
Nunca saberemos o quanto ou exatamente onde poderia chegar. Prefontaine morreu com alguns meses a mais da idade que tenho hoje. Tinha 24 anos quando, ao voltar de uma festa, perdeu o controle do carro e bateu numa rocha que hoje foi transformada em memorial e batizada de Pre Rock (confira na foto abaixo, de 2012, a fascinação que ela ainda causa).

File:Pre's Rock Oly Trials 2012.jpg

Morreu no auge, como o nosso Ayrton Senna. Ou melhor, morreu antes do auge, uma vez que um atleta de fundo tem seu auge próximo dos 30 anos. Todas as melhores marcas de sua carreira foram obtidas entre os anos de 1973 e 1975 (ano de sua morte). Preparava-se para os Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, onde, mais experiente, era favorito à vitória. 

10 comentários:

  1. Melhor do que o Prefontaine foi essa inspiração que surgiu após a leitura desse texto, parabéns Rafa, você acaba de firmar um aliado motivado para 2014 no desafio das cruzes! Vamo que vamo!

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  2. Rafa: Posso publicar os motivos na minha página do facebook? Darei os devidos créditos e o link do blog.

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  3. Steve Prefontaine o melhor? Que piada!

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  4. Preenche todos os requisitos de um ídolo, um mito. Mas daí a ser considerado o maior de todos os tempos...

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  5. Depois de ter conhecido os seus primeiros 6 eleitos (com os quais concordo totalmente), fiquei intrigado com "quem será afinal o primeiro"?!!... Não me vinha ninguém à memória, melhor do que Nurmi, Haile, Zatopek!...

    Então antes mesmo de abrir o seu post, pensei... seja quem for, deve ser injusto... o único que poderia estar acima de todos os restantes seria o Steve Prefontaine mas não me parece que o irão referir...

    Afinal! Era mesmo o Prefontaine! Parabéns por se ter lembrado. Parece-me assertivo sim, e foi uma decisão muito bem justificada. Concordo. O Pre não ganhou nenhuma medalha olímpica, mas pela forma como corria, era o maior! E lembremo-nos que a sua carreira e vida acabou aos 24 anos. Se tivesse continuado, os 12 anos seguintes teriam certamente trazido os resultados suficientes para ninguém ficar surpreendido com este ranking!

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  6. foi um grande atleta e corredor sem duvida, mas hoje seria engolido e deixado para tras por kenianos e etiopes que são mais adptados geneticamente que corredores europeus e americanos. mas ficou na historia como co fundador da nike e na motivação de treinar e vencer

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