terça-feira, 2 de outubro de 2012

Uma vitória e um lema

Em 1953 o homem atingiu o pico do Everest pela primeira vez, mas para muitos o grande feito da época viria no ano seguinte, quando o inglês Roger Bannister quebrou pela primeira vez a barreira dos 4 minutos na milha (1,609m).

A milha não é uma distância muito popular no Brasil, mas para ingleses e americanos ela foi por muito tempo a mais importante das competições de atletismo, a distância perfeita como diziam, quatro voltas e uma combinação entre resistência e velocidade.

Ninguém ganha uma prova de uma milha sem ser muito veloz, ou sem ser muito resistente. É uma competição que leva o corpo humano ao limite. E por muito tempo se acreditou que fosse impossível percorrer essa distância em menos de 4 minutos.

Bannister quebrou a barreira psicológica em 1954 - seu tempo, de 3m59'4" parece pouco impressionante nos dias de hoje, onde o recorde mundial é, desde 1999, do marroquino Hicham El Guerrouj, 3m43s.

Era uma época em que não se admitia profissionalismo. Bannister era um estudante de medicina em Oxford. Treinava apenas nas horas vagas. Seus treinos eram duros, claro, mas sequer treinava todos os dias. A corrida nunca foi o mais importante de sua vida, e embora tenha ficado marcado na história pelo feito, teve uma bem sucedida carreira médica.

Desde então muita coisa mudou. O esporte hoje vale milhões, os métodos científicos de treinamento evoluíram, e não se discute mais profissionalismo.

A rotina de um atleta de elite hoje, de nível mundial, segue, 365 dias por ano, a seguinte rotina: 

Acordar muito cedo, treinar. Dormir até o horário do almoço. Almoçar. Descansar. Treinar novamente. Jantar. Dormir.

Atletas de alto rendimento treinam de 2 a 3 vezes por dia. Correm, em média, 200 quilômetros por semana. Consegue imaginar? 

Possuem a vida totalmente direcionada para um único foco. Treinar, e nas horas vagas, preparar o seu corpo da melhor forma possível para treinar melhor.

Certo, mas onde minha vitória nos 10 km da Maratona de Santa Catarina entra nessa história?

Tenho pensado muito no famoso lema desenvolvido pelos gregos e traduzido pelos romanos na frase "Mens Sana in Corpore Sano".

Ultimamente tenho me identificado muito com atletas como Bannister. Amadores que fizeram essa velha máxima na prática.

Penso que os atletas de hoje cuidam muito do corpo e da performance. Teriam condições de cuidar também da mente?

Estou longe dos atletas profissionais, muito longe. Treino todos os dias, mas minha quilometragem semanal não é nem metade desses atletas. Não tenho uma alimentação ou horas de sono tão restritas. E não consigo treinar duas vezes ao dia.

Mas na prática, posso dizer que, da minha maneira, tenho vivido o lema grego. 

Estudo, leio bastante, trabalho atendendo micro e pequenas empresas em diversas cidades do estado, monto uma empresa e treino sistematicamente em busca de melhores marcas.

Pergunto-me se um atleta amador hoje teria condições de chegar próximo ao nível olímpico, a ponto de disputar uma vaga para a competição máxima do esporte. Roger Bannister estaria hoje entre os melhores corredores de 1,500m do Brasil com sua marca de quase 60 anos atrás. Um pouco longe dos melhores do mundo, mas entre os melhores do Brasil.

Eu estou muito longe de ter o talento do inglês, mas me motiva essa vida de atleta amador. Atleta que treina muito, que sofre bastante nos intervalados, que treina todos os dias, faça chuva ou faça sol - mas que não tem a corrida como único foco de vida.

Aonde posso chegar dessa forma, ainda vou descobrir.

Por enquanto, cheguei a vencer os 10 km da Maratona de Santa Catarina.

É claro, por não haver premiação em dinheiro, a competição não atraiu atletas profissionais. 
Do contrário eu não teria vencido. Aliás, teria ficado muito longe de vencer.

Mesmo assim, é muito satisfatório chegar na frente entre os atletas amadores. Uma competição até que relativamente tranquila. A partir do terceiro quilômetro corri a prova inteira sozinho, acompanhado apenas da pessoa da organização que ia junto com o primeiro colocado de bicicleta. 

No retorno no sul da Ilha, depois de forçar bastante na primeira metade, sinto na pele os fortes ventos. Mas também percebo que estou bem na frente do segundo colocado. Sabia que a vitória estava quase garantida. Os fortes ventos fizeram com que o ritmo de prova caísse bastante. Cheguei a temer pela vitória. Mas, quando cheguei ao túnel, perguntei ao acompanhante de bicicleta se o segundo colocado estava perto. E ele me disse que estava muito longe. Que a vitória estava garantida.

Estava muito cansado e com muitas dores. Sofrendo mesmo. Mas era só aguentar mais aquele quilômetro. Sabia que, se saísse do túnel na frente, não perderia. E assim foi. Ao sair do túnel foi só comemorar.

E então eu dei mais um passo - não para me aproximar dos quenianos, dos atletas olímpicos convencionais, dos profissionais do esporte. Dei mais um passo para me aproximar de Roger Bannister, que há mais de 60 anos provou que era possível.

Para vencer nesses dez quilômetros de domingo, dei mais de 6 mil passos. 

Mas sinto que foi apenas uma pequena passada rumo ao Mens Sana in Corpore Sano.



3 comentários:

  1. Fiquei emocionada com teutexto, mesmo. Quase chorei. Muito lindo.

    Eu tenho ficado beeeem afastada da dança nos últimos tempos (apesar de sempre presente no grupo, tenho praticado pouco, treinado menos ainda e me atualizado quase anda).
    É uma porcaria. Ainda assim eu me visualizo assim na dança (quando eu voltar né).

    Amadora (porque não vivo daquilo ou só praquilo), porém com dedicação profissional. Com empenho, dedicação, comprometimento, estudo.

    Você está muito além da espectativa grega e seria um orgulho, mesmo para o inglês!

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  2. A tua humildade é o que te leva com tanto afinco a querer e conseguir, Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, as fotos falam por ti. Como profesora de Filosofia , só tenho uma coisa a lhe dizer: ´" a maio das vitórias é vencer a si próprio ". NUNCA DESISTA DO TEUS SONHOS.
    Abraços afetuosos.

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    1. Muito obrigado Iris, fico muito feliz de ter uma professora de filosofia como leitora. Eu leio bastante sobre o assunto e a filosofia será tema recorrente aqui. Um abraço!

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